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domingo, 25 de setembro de 2016

Pesquisa revela que 71% dos detentos foram abandonados pelo pai, em Manaus

Falta ou inexistência patriarcal prejudica a construção dos limites considerados importantes para a vida de uma pessoa, afirma psicóloga.

sábado 8 de agosto de 2015 - 6:46 PM

Carla Albuquerque - DEZ Minutos /portal@d24am.com

Pesquisa da Seap aponta que dos mais de 5,9 mil presidiários que estavam em unidades, em Manaus, em 2014, cerca de 4,2 mil viveram sem os pais.Foto: Alexandre Auler/Estadão Conteúdo

Manaus - Pesquisa realizada pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) aponta que 71% dos detentos do sistema prisional, em Manaus, declararam não ter tido a figura do pai durante a criação. Para a psicóloga do Núcleo de Psicologia da Seap, Maysa Xicre, a falta ou inexistência patriarcal prejudica a construção dos limites considerados importantes para a vida de uma pessoa e pode colaborar para que ela ingresse no mundo da criminalidade.
 
A pesquisa foi realizada, no segundo semestre do ano passado, quando existiam 5.996 presos no sistema. Deste total, cerca de 4,2 mil disseram não ter convivido com o pai. De acordo com a Seap, uma nova pesquisa está em andamento e deve entrevistar os 6.180 detentos que estão inseridos em unidades prisionais da capital amazonense. No entanto, a Seap informou que não deve haver alteração no cenário, considerando que houve um acréscimo de 180 presos, em relação à pesquisa inicial.
 
De acordo com a psicóloga Maysa, as estatísticas revelaram que a relação entre o filho e o pai era inexistente. Muitas vezes, o pai estava envolvido com drogas, bebidas ou mesmo na criminalidade. Tudo isso, disse ela, mostra que mesmo o patriarca estando dentro de casa, pode se mostrar ausente e colaborar para a desconstrução da família.
 
Para ela, ter a figura patriarcal dentro de casa e dentro do convívio familiar é fundamental para que ele possa impor limites aos filhos. De acordo com Maysa, cabe ao pai dizer o que é certo ou errado, impor rigidez nas atitudes para que o filho saiba respeitar as imposições aplicadas.
 
“A falta dele (pai) prejudica a construção dos limites que são necessários para vida dentro de uma sociedade. Se isso não ocorre, a pessoa pode correr o risco de ter uma vida sem limites e tende muito seriamente a se desviar para a criminalidade”, comentou ela.
 
A psicóloga destacou que, muitas das vezes, após o pai abandonar a família, a mãe assume os dois papéis. No entanto, no âmbito psicológico, a mulher, na maioria dos casos, não acaba não agindo como figura ‘castradora’ como um pai. “Elas tentam, mas não são capazes de agir com rigidez. Elas sempre vão ter o lado mais doce e amável e vão aceitar, de certa forma, o que os filhos fazem. O amor de mãe transcende muito mais”, destacou.
Alerta
 
De acordo com a psicóloga Maysa Xicre, é preciso fazer um alerta ao pai. Para ela, apesar de mantida a figura patriarcal em casa, muitos deles estão ausentes e é preciso ir muito além de apenas trabalhar para manter o sustento da família. De acordo com a psicóloga, é preciso, também, dar amor, atenção, carinho aos filhos, mesmo que apenas por alguns minutos do dia.
 
“Mesmo que ele chegue cansado, é preciso que o pai mantenha vivo na família essa figura patriarcal e manter construído o núcleo familiar. Se esse vínculo quebrar, muitas consequências surgem a partir daí e podem ter reações irreversíveis como perder o filho, para as drogas, depressões e, também, para a criminalidade. Ser pai é ir bem mais além que apenas colocar comida dentro de casa. É preciso dar atenção e amor aos filhos”, afirmou ela.

Distância e brigas marcam relações

Ao D24AM, um detento, de 24 anos, do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), que preferiu não ser identificado, disse que conheceu o pai aos 16 anos. Segundo ele, o homem  mora no Pará, e conheceu a mãe dele, em Manaus. Depois que ele nasceu, o pai estava ausente e, por isso, foi registrado apenas em nome da mãe.

O rapaz, que está preso desde dezembro do ano passado, por roubo, disse que a mãe,  junto com a avó, foi quem representou a figura paterna, durante toda a vida dele. “Na verdade, o meu pai nunca ajudou a minha mãe em nada. Ela, junto com a minha avó, que me criaram e fizeram tudo por mim. Acredito que ele nem saiba que eu estou preso”, disse.
 
O detento disse que, aos 16 anos, foi ao encontro do pai, no Pará. Segundo ele, a convivência foi de apenas oito meses, mas a relação que estava começando foi prejudicada pelos desentendimentos com a madrasta. “Eu não me adaptei e voltei para casa. Não o culpo pelo que ele fez, mas também não sinto falta dele. Nunca tive amor de um pai e não sei se minha vida seria diferente se ele estivesse perto de nós”, disse.

Violência 
Outro preso do regime semiaberto do Compaj, que preferiu se identificar apenas como ‘Nei’, de 36 anos, disse ao D24AM que teve, na infância e parte da adolescência, a presença do pai Raimundo Valeta Chaves, hoje, falecido. O detento cumpre pena de 13 anos por sequestro, assalto e homicídio. 
‘Nei’ disse ter convivido com os pais, até os 15 anos. Depois, por causa de brigas e do vício do pai, que costumava beber, diariamente, o casal se separou. Segundo ‘Nei’, a mãe dele era agredida pelo companheiro e isso fez com que ele se distanciasse do pai. Depois da separação, ele passou, gradativamente, a viver longe da figura paterna. O detento contou que chegou a agredir o pai, mas disse ter se arrependido e, antes de ele morrer, em 2003, pediu perdão.
 
“Ele vivia sempre embriagado. Sempre esperei que ele tivesse tido uma atitude sóbria, de ter conversado com a família, de ter sido mais presente, mas ele vivia a maior parte do tempo embriagado”, contou.
 
De acordo com ‘Nei’, apesar das dificuldades, Raimundo era rígido  e buscou orientá-lo enquanto esteve presente. “Apesar de ter feito tudo o que eu fiz, sempre o respeitei, ele era um homem trabalhador e me ensinou os princípios da vida, mas infelizmente, eu não segui muito os ensinamentos dele”, disse. Enquanto vivo, o pai nunca o visitou na prisão, mas ele disse não guardar rancor.
 
Hoje, pai de uma adolescente, de 14 anos, ‘Nei’ contou que a filha também nunca o visitou, nem em datas como o Dia dos Pais. Segundo ele, mesmo sem conviver com a menina, sente um amor enorme por ela e espera, um dia, poder receber e dar carinho à filha.

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